21 março 2007

MOVE: crenças e práticas


O coletivo MOVE é uma família de revolucionári@s, fortes, responsáveis e profundamente comprometid@s. MOVE foi fundado por um negro sábio, perceptivo e com um pensamento estrategicamente orientado. Ele era John Africa. Os princípios de nossas crenças são explicados em uma compilação de escritos que chamamos "The Guideline", escritos por John Africa. Para lembrar nosso fundador querido e fazer reconhecer sua sabedoria e força que nos tem doado, dizemos:

VIDA LONGA A JOHN AFRICA!!!


Nossa religião - A Vida

John Africa nos ensinou que a vida é prioridade, mas tão ou mais importante quanto a vida é a força que nos mantém viv@s. Todas as formas de vida provém de uma só força, a Deusa Mãe natureza. Cada vida individual depende das outras formas de vida e são de igual importância humanos, cachorros, pássaros, peixes, árvores, formigas, ervas, rios, o vento ou a chuva. Para se manter sã e forte, a vida tem que ter acesso a uma aura limpa, a água clara e alimentos puros, se é privada dessas coisas a vida passará para o próximo nível, ou como diz o sistema: "morrer".


Lei Natural

Cremos na lei natural. As leis feitas por humanos não são realmente leis, por que não se aplicam igualmente a todos e contém refúgios e escapatórias.

As leis feitas por humanos são continuamente emendadas, ou advogadas: a lei natural não muda e sempre tem sido igual. As leis humanas necessitam de xerifes, policiais, exército, cortes para reforçá-las e advogados para explicá-las.

A lei real se explica por si mesma.

Nas florestas não tocadas pelo homem, nos oceanos e nos desertos não tem cortes ou cárceres. Os animais e as plantas não as necessitam. Nenhum ser vivo tem que consultar nenhuma legislação para saber se tem que tossir, espirrar ou urinar. A lei natural diz que quando uma coisa se aproxima demais de seu olho você vai piscar, seja cachorro ou juiz da corte suprema.


Autodefesa

Todos os seres humanos instintivamente se auto-defendem. É um direito dado pelo deus de todas as vidas. Se um homem entra na toca de um urso ele viola e ameaça o espaço de segurança do urso. O urso defenderá sua casa instintivamente lutando contra o homem tentando eliminá-lo


O bom e o mal

O fato de que algo é permitido segundo as leis do sistema, não faz desse ato um ato bom. A escravidão foi legal, matar os nativos americanos e roubar sua terra também foi feito legalmente.

John Africa nos ensinou que o bom se aplica igualmente a todos. Se algo é bom é bom para todas as formas de vida, sem distinção de classe ou espécie.


O sistema

Não cremos nesse sistema de mundo reformado. O governo, os militares, a indústria e os grandes negócios, historicamente vêm quebrando o curso natural da vida apenas por dinheiro. Estes governantes são os que movem os fios. Eles não se importam que assassinem, escravizem, mutilem, envenenem ou adoeçam pelo seu afã de consegui dinheiro. Têm feito da riqueza material uma prioridade sobre a vida. As “maravilhas” da ciência e os “avanços” da tecnologia vêm todos da ganância do sistema por ganhar dinheiro, mas para uma pessoa que lhe falte ar ou se afoga não lhe fazem falta diamantes, ouro ou montes de dinheiro. A pessoa fará todo o possível para respirar porque o ar é uma necessidade e o dinheiro nesses momentos carece de valor.

Durante o último século a indústria violou a terra, roubando quantidades incontáveis de minerais, roubou milhões de galões de petróleo do solo e escravizou milhões de pessoas para produzir carros, caminhões, aviões e trens para poluir mais o ar. E a causa dos milhares de milhões de dólares possíveis de realizar em benefícios, o sistema favorecerá o transporte artificial, no lugar de potencializar o exercício físico. As grandes companhias e as indústrias são os responsáveis pela produção e venda massiva de cigarros, álcool e drogas, que são utilizados para roubar ainda mais benefícios das pessoas, enquanto por outro lado, se viciam e adoecem. Os políticos estão em suas funções para legalizar, endossar e proteger a indústria e os grandes negócios. Por isso não cremos de forma alguma nos políticos.


O trabalho do MOVE

O trabalho do MOVE é a revolução. A revolução de John Africa, uma revolução rumo a suspensão da imposição do sistema do homem sobre a vida, para parar a indústria envenenadora do ar, da água e da terra e para acabar com todas as formas de escravidão. Nosso trabalho é o de mostrar as pessoas de como está podre esse sistema, e que o sistema é a causa da situação dos sem-teto, sem-emprego, do uso de drogas e álcool, do racismo, dos abusos domésticos, AIDS, crime, guerra e todos os problemas do mundo.

Trabalhamos para demonstrar que as pessoas podem lutar contra o sistema, que devem lutar contra esse sistema, se querem livrar-se de sofrimentos e da opressão sem fim.


Ser um@ revolucionári@

A revolução começa com o indivíduo. Começa com uma pessoa que se compromete a fazer o que é bom. Não se pode fazer de alguém um revolucionári@ fazendo-@ cantar slogans ou manejando escopetas. Para entender a revolução tem que estar são. A revolução não a de se impor a alguém. A revolução queima dentro do corpo. Uma pessoa pode falar de revolução, mas se veneram dinheiro, se se envolvem com drogas ou agridem a seu cônjuge, obviamente não se comprometeu a fazer o que é bom. A revolução não é uma filosofia, é uma atividade.


Perseguição

Somos uma organização profundamente religiosa, sabemos que o sistema político atual está ressentido pelo nosso exemplo limpo e justo e querem nos impedir de expor sua corrupção ainda que não tenha que matar por isso. Da mesma maneira que Jesus estivera categorizado por ser um radical e perseguido até a morte pelos políticos de então.

Nossa mensagem é para eles que têm o poder e porque nos avassalam continuamente. O esperamos e estamos preparados para isto,


A duração da luta

Não medimos nosso sucesso, em referência ao calendário, já que o que fazemos é bom, a única maneira das coisas acabarem é de forma boa, sem fazer caso do tempo. Não estamos ansiosos ou impacientes e não vamos transigir com nossos compromissos para conseguir resultados rápidos e temporários. Não esperamos necessariamente uma mudança dramática durante nossas vidas ou durante a vida de nossos filhos, sabemos que séculos de degeneração e imposição tardarão séculos em retificar, porém o vento deve começar a mudar algum dia. John Africa começou esse processo através do coletivo MOVE.


Líderes

Nossa organização foi criada por John Africa, mas ele não é nosso líder. John Africa nos transmitiu sua sabedoria, sua força e a compreensão de nós mesmos. Utilizando a estratégia de John Africa sabemos que não podemos perder.


Viver como uma família revolucionária

Tod@s @s membr@s comprometid@s ao MOVE adotam o sobrenome “Africa”, em lembrança e homenagem a nosso fundador John Africa, e também para mostrar que somos uma família e um corpo unificado que se move em uma mesma direção.

Temos membros brancos, negros, porto-riquenhos que provem de famílias de classes sociais diferentes, uns com cultura de rua e outros com cultura de universidade. Não fazemos caso da instituição legal do matrimônio, nos aderimos à lei natural que requer um macho e uma fêmea para se reproduzir. Somos monogâmicos.

John Africa nos ensinou que o parto é uma função natural e instintiva de uma mãe e que para se levar a cabo não são necessários drogas ou hospitais.


Noss@s filh@s

Amamos muito noss@s filh@s, @s protegemos e cuidamos porque podem tornar-se mais sãos e fortes que nós mem@s. Somos uma grande família e cada adulto ajuda as crianças. Nunca os castigamos com golpes ou abusos físicos. Se fazem algo mal, toda a família participa em mostrar a boa direção e ensinar o que é correto. Não @s levamos à escola onde o sistema lhes lava o cérebro e doutrina. Estamos sempre em volta de nossos filhos e eles sempre em volta da gente.


Aparência

Nosso cabelo cresce livremente de maneira natural, sem pentear ou cortar. Já que não favorecemos a indústria química nem os cosméticos “desejáveis” do sistema, passamos bastante tempo cuidando de nós mesm@s, com nosso ambiente limpo e arrumado. Nos vestimos funcionalmente, com roupas que não interfira em nossa vida ativa.


Nossa alimentação

A alimentação que John Africa propôs, consistia em comer alimentos frescos e em seu estado cru. Sempre guardamos muitos alimentos crus e sãos ao alcance de nossas mãos e comemos quando temos fome e não nas horas artificiais impostas pelas normas. Prestamos bastante atenção para que nada ao nosso redor sofra de fome, porque sabemos que a comida é um pré-requisito da vida. Reconhecemos que alguns de nós foram educados sobre este tema e fazendo o trabalho que fazemos pode nos por sobre muita pressão quando algum membro sofre a opressão do sistema. Então pode ser comum nos ver comendo comida cozida, mas nunca verá um membro comprometido do MOVE fumando, tomando drogas ou álcool. As centenas de quilômetros que o sistema tem posto entre nós e vários de nossos irmãos dentro de distantes prisões, também nos tem feito utilizar carros para nos mantermos juntos e em contato regular.

Esperamos que algum dia possamos viver da nossa maneira, sem a necessidade de tecnologia contaminadora do ar.


Cuidar da vida

Para nos manter sãos e fortes fazemos muitos exercícios físicos. Limpar com a mão o solo, varrer as calçadas ou levar os cachorros pra passear são tarefas diárias. Manter as centenas de quilos de comida que conservamos no estoque é também muito trabalhoso, temos grãos para os pássaros, nozes para os esquilos, carne crua para os cachorros e gatos e verduras e frutas para as pessoas. Amamos todas as formas de vida. É tremendamente desconcertante pra nós ver alguém que maltrata um animal, golpeando um cachorro, atirando pedras nos pássaros e esquilos ou outras imposições similares de vidas inocentes.


O nome MOVE

A palavra MOVE não é nenhum adjetivo. Quer dizer exatamente isso MOVE: mover, trabalhar, engendrar, estar ativo. Uma coisa que não se move está morta.

O movimento é o princípio da vida e como a crença principal do MOVE é a vida, nosso fundador John Africa pôs o nome MOVE.

Normalmente quando nos saudamos nos dizemos “On the MOVE!” (Em movimento).


“O final é o poder da verdade”

John Africa

08 março 2007

LONGA VIDA A JOHN AFRICA !!!



Para: Todas as pessoas interessadas.

De: MOVE Organization.

On the MOVE! A organização MOVE é uma organização revolucionária onde os membros vem de várias nacionalidades e origens. A organização MOVE foi fundada no começo dos anos 70 por um homem preto chamado John Africa. Ao contrário dos "líderes" da maioria dos grupos que as pessoas conhecem, John Africa viveu conosco e viveu como um de nós, não acima de nós ou diferente de nós. John Africa nos deu o exemplo. Ele não nos pedia para fazer qualquer coisa que ele mesmo poderia fazer. John Africa não foi nenhum impostor, sua sinceridade é obvia através de seu exemplo consistente e esta é a sinceridade de John Africa, um consistente exemplo de amor, lealdade, retidão, que faz com que as pessoas do MOVE amem-o tanto e tenham tanta lealdade aos seus ensinamentos, e as crenças que nos foram dadas por John Africa. Todas as pessoas do MOVE tomaram o último nome por Africa em reverência e respeito pelo nosso fundador, John Africa, e também para demonstrar que somos unidos, uma família. Contrariamente ao que a imprensa costuma dizer, o MOVE não é um culto ou uma comunidade. Nós somos uma família de revolucionários que vive junta como uma família. As pessoas do MOVE são encorajadas a se comprometerem ao princípio do casamento,e cada membro do MOVE tem um companheiro(a) quando casado(a). O nome MOVE não é uma sigla, ele significa exatamente o que diz ---- mover -- produzir --- ser ativo. Significa se mover contra este sistema podre e corrupto que é a raiz de nossos problemas. John Africa ensina ao MOVE a acreditar na vida e proteger toda a vida. Nós trabalhamos para manter a água livre de venenos, o ar livre de poluição, o solo livre de lixo tóxico, os animais livres de exploração e as pessoas livres de qualquer tipo de escravidão. Este trabalho tem nos colocado em confronto direto com um sistema que só se preocupa com o dinheiro e status e não dá a mínima para a vida. Nós sabemos que este sistema não pode existir sem exploração, escravidão, opressão da vida e dos seres vivos. Através da estratégia de Jonh Africa, as pessoas do MOVE expõem, confrontam e trabalham para eliminar a traição daqueles que estão na autoridade; este trabalho nos tornou inimigos deste sistema e fez com autoridades declarassem guerra contra o MOVE. Os confrontos de 8 de Agosto de 1978 e 13 de Maio de 1985 confirmam isso.Toda a bobagem a respeito de nosso estilo de vida natural, profanação ou queixa de vizinhos não é nada mais do que uma cortina de fumaça para as intenções diabólicas deste sistema que intenta exterminar e calar permanentemente a org. MOVE e seus corretos protestos e por meio disso fazer com que paremos de expor isto. As assim chamadas palavras profanas nunca mataram ninguém; mas os policiais, guerras, bombas e envenenamentos ambientais deste sistema matam incontáveis criaturas todos os dias,sem que ninguém seja responsabilizado ---- isto é profanação. Bombardeando e incendiando bebês e adultos inocentes vivos, sem nenhuma repercussão é o cúmulo da profanação. Os que estão no poder não dão a mínima para as pessoas pretas(ou brancas) queixando-se sobre vizinhos ou qualquer outra coisa, e vivendo próximas da terra, proximidade da natureza não pode ser provada ser errada de jeito algum por pessoa alguma. Oque isto prova é que nenhuma das desculpas oferecidas por este sistema como uma ineficaz forma de tentar justificar a guerra travada contra a org.MOVE faz qualquer senso. Este sistema tem usado tudo que eles podem na tentativa de tirar o crédito e destruir a John Africa e sua org.MOVE, particularmente a imprensa. A imprensa tem sido uma ferramenta voluntária do sistema,ansiosamente esperando por uma oportunidade para pintar uma figura distorcida do MOVE e suas crenças, com a esperança de que as pessoas irão pensar que somos maníacos e merecemos ser exterminados.Nosso irmão Mumia Abu-Jamal,foi o único jornalista que relatou honestamente e consistentemente o que o sistema estava e continua fazendo com o MOVE. Mumia continua a relatar o que este sistema está fazendo com o MOVE e com outras incontáveis vítimas deste sistema traidor, e ele faz isto do "Corredor da Morte". A posição de Mumia contra a conduta das autoridades culminaram no fato de que ele foi encarceirado e senetenciado à pena de morte por um crime que ele não cometeu. Mumia está sendo vítima das muitas traições que ele expõe.


* The MOVE Organization ---- P.O.Box 19709 ---- Philadelfia, PA 19143 ---- Phone:610 499 0979 * www.moveorg.net ---- www.mumia.org *

06 março 2007

O dever da palavra

Falar, é antes de tudo deter o poder de falar. Ou mais ainda o exercício do poder assegura o domínio da palavra: só os senhores podem falar. Com respeito aos sujeitos: impostos ao silêncio do respeito, da veneração e do terror. Palavra e poder mantém relação de tal natureza que o desejo de uma se realiza na conquista do outro. Príncipe, déspota ou chefe de Estado, o homem de poder é sempre não só o homem que fala, e sim a única fonte da palavra legítima: palavra empobrecida, pobre, mas rica em eficiência, pois se chama "ordem" e deseja a obediência do executor. Extremos inertes por si mesmos, poder e palavra não subsistem um sem o outro, cada um deles é substância do outro, poder e palavra se estabelecem no ato mesmo de seu encontro. Toda tomada de poder é também uma ganância de palavra.


Todo ele concerne em primeiro lugar nas sociedades fundadas na divisão: amos/escravos; senhores/sujeitos; dirigentes/cidadãos, etc. A marca primordial dessa divisão, seu lugar privilegiado de desenvolvimento, é o feito massivo, irredutível, quiçá irreversível, de um poder separado da sociedade, se exerce sobre ela e, se for necessário, contra ela. O que aqui tem sido designado é o conjunto das sociedades com Estado, desde os despotismos mais arcaicos até os Estados totalitários mais modernos, passando pelas sociedades democráticas nas que o aparato do Estado, se bem liberal, não guarda menos em si o senhor afastado da violência legitimada.


Vizinhança, boa vizinhança da palavra e do poder: aqui que soa claro aos nossos ouvidos há muito tempo acostumados à escuta daquela palavra. Agora não se pode desconhecer esse ensinamento decisivo da etnologia: o mundo selvagem das tribos, o universo das sociedades primitivas ou ainda – e é o mesmo – das sociedades sem Estado, oferece estranhamente a nossa reflexão essa aliança já revelada, mas para as sociedades com Estado, entre o poder e a palavra. Sobre a tribo reina seu chefe e este igualmente reina sobre as palavras da tribo. Em outros meios, e particularmente nos casos das sociedades primitivas americanas, o indígena, o chefe – o homem de poder – detém também o monopólio da palavra. Não é necessário perguntar a estes selvagens: “Quem é seu chefe?”, mas sim: “Quem entre vocês é o que fala?”
Senhor das palavras: numerosas tribos nomeiam assim seus chefes.


Não se pode, pois pensar o um, mas sim a outra, o poder e a palavra, posto que seu vínculo, claramente metahistórico, não é menos indissolúvel nas sociedades primitivas que nas formações estatais. Contudo seria pouco rigoroso limitar a uma determinação estrutural desta relação. Em efeito, o corte radical que divide às sociedades, reais ou possíveis, segundo sejam estatais ou não, este corte não deixaria indiferente o modo de enlace entre poder e palavra. Como se opera isso nas sociedades sem Estado? O exemplo das tribos indígenas nos ensina.


Neles se revela uma diferença, às vezes a mais aparente e a mais profunda, na conjugação da palavra e do poder. Essa diferença radica em que se nas sociedades com Estado, a palavra é o direito do poder, nas sociedades sem Estado, pelo contrário, a palavra é o dever do poder. Ou melhor, pra falar de outra forma, as sociedades indígenas não reconhecem a seu chefe o direito à palavra pelo fato de ser seu chefe: Exige do homem destinado a ser seu chefe que prove seu domínio sobre as palavras. Falar é para o chefe uma obrigação imperativa, a tribo quer ouvi-lo: um chefe silencioso já não é um chefe.


E que não se preste a equívocos. Não se trata aqui do prazer, tão vivo em muitos selvagens, para os belos discursos, pelo talento oratório, pelo afã de falar. Não se trata aqui de questões de estética, e sim de política. Na obrigação de que o chefe seja homem de palavra se adverte, em efeito, toda a filosofia política da sociedade primitiva. Ali se desenvolve o verdadeiro espaço que ocupa o poder, espaço que não é o que poderia acreditar. E é a natureza deste discurso cuja repetição a tribo vê-la cuidadosamente, é a natureza dessa palavra guia que nos indica o lugar real do poder.


Que disse o chefe? O que é uma palavra de chefe? É, em primeiro lugar, um ato ritualizado. Quase sempre o líder se dirige ao grupo cotidianamente, à aurora ou ao crepúsculo. Estendido em sua rede ou sentado ao redor do fogo, ele pronuncia com voz forte o discurso esperado. E sua voz, por certo, necessita de potência para se fazer ouvir. Nada de recolhimento, nada de silêncio enquanto falar o chefe, cada um segue tranqüilamente, em suas ocupações como se não se tratasse de nada. A palavra do chefe não é dita para ser escutada. Paradoxo: nada presta atenção ao discurso do chefe. O melhor finge desatenção. Se o chefe como tal deve submeter-se a obrigação de falar, as pessoas às quais se dirige, em contrapartida deverão parecer não ouvi-lo.


E, em essência estes não perdem, se é possível dizer, nada. Por quê? Porque literalmente, o chefe não disse nada. Seu discurso consiste essencialmente em uma celebração, numerosas vezes repetidas, das normas de vida tradicional: "Nossos antepassados se sentiram bem por viver como viviam. Sigamos seu exemplo e deste modo levaremos juntos uma existência tranqüila". Hei aqui mais ou menos a que se reduz um discurso de chefe. Compreendemos assim que não é algo inquietante para aqueles a quem vai dirigir.


Que quer dizer falar neste caso? Por que o chefe da tribo deve falar para não dizer nada? A que demanda da sociedade primitiva responde está palavra vazia que emana do lugar aparente do poder? Vazio, pois o discurso do chefe não é um discurso de poder: o chefe está separado da palavra porque está separado do poder. Na sociedade primitiva, na sociedade sem Estado, o poder não se encontra do lado do chefe: do qual resulta que sua palavra não pode ser palavra de poder, de autoridade, de ordem. Uma ordem: é o que o chefe não saberia dar, hei aqui o tipo de plenitude rejeitada a sua palavra. Aquele chefe bastante louco pra sonhar, não tanto com o abuso de poder que não possui, sim com o uso mesmo do poder: a um chefe que quer ser chefe se o abandona: a sociedade primitiva é o lugar do rechaço de um poder separado, posto que ela mesma, e não o chefe, é o lugar real do poder.


A sociedade primitiva sabe, por natureza, que a violência é a essência do poder. Nesse saber radica o cuidado constante por manter separados um de outro o poder e a instituição, o mando e o chefe. E é o caminho mesmo da palavra quem assegura a demarcação e traça a linha de divisão. Instruindo ao chefe a mover-se só no elemento da palavra, é dizer, no extremo oposto à violência, a tribo se assegura que todas as coisas permaneçam em seu lugar, que o eixo do poder se reparta no corpo exclusivo da sociedade e que nenhum deslocamento de força venha a alterar a ordem social. O dever da palavra do chefe, esse fluxo constante de palavra vazia que deve à tribo, é sua dívida infinita, a garantia que proíbe ao homem de palavra chegar a ser homem de poder.


Pierre Clastres

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(*) Clastres, Pierre (1974), La Société Contre L'Etat, Les Éditions de Minuit, Paris, Capítulo 7

Estudo aparecido inicialmente na Nouvelle Revue de Psychanalyse, 8, Outono 1973