30 julho 2007

Além do feminismo, além do gênero

A fim de criar uma revolução que possa por fim a todo tipo de dominação, é necessário acabar com as tendências a que todos nós nos vemos submetidos. Isto requer que sejamos conscientes do papel que esta sociedade nos impõe e busquemos seus pontos fracos, com o objetivo de descobrir seus limites e transgredir.


A sexualidade é uma expressão essencial dos desejos e paixões individuais, da chama que pode inflamar tanto o amor como a revolta. Assim pode ser uma força importante dos desejos de cada um de nós, que pode levantar-nos além da massa, como seres únicos e indomáveis. O gênero por outro lado, é um intermediário construído pela ordem social para inibir a energia sexual, enclaustrá-la e limita-la, direcionando-a a fazer a reprodução desta ordem de dominação e submissão. Desta maneira, o gênero se converte em um impedimento da vontade de decidir livremente como queremos viver e nos relacionar. Não obstante, até agora, ao homem foi concedida maior liberdade de fazer valer sua vontade dentro destes papéis do que a mulher, o que explica de forma bastante razoável porque existem mais anarquistas, revolucionários e gente que atua fora da legalidade que são homens e não mulheres. As mulheres que foram fortes, que tem se rebelado, fizeram isso porque superaram sua feminilidade.


Lamentavelmente o Movimento de Liberação da Mulher (MLM) que ressurgiu nos anos 60, não prosperou no desenvolvimento de uma análise profunda da natureza da dominação em sua totalidade e do papel jogado pelos gêneros em sua reprodução. Um movimento que apareceu diante da necessidade de nos livrar dos papeis de gênero para sermos assim indivíduos completos e auto-suficientes, foi transformado em uma especialização como a maior parte das lutas parciais da época. Garantindo desta maneira a impossibilidade de levar a cabo uma análise global dentro deste contexto.


Esta especialização é o feminismo atual, que começou desenvolvendo-se fora do MLM nos finais dos anos 60. Seu objetivo, não era tanto a liberação da mulher como individualidade dos limites impostos pelos papéis atribuídos a seu gênero, como a liberação da "mulher" como categoria social. Junto às correntes políticas principais, este projeto consistiu em obter direitos, reconhecimento e proteção para as mulheres como uma categoria social, reconhecida conforme a legislação. Em teoria, o feminismo radical se moveu para além da legalidade com o objetivo de liberar as mulheres como uma categoria social, da dominação masculina. Dado que a dominação masculina não é explorada suficientemente como parte da dominação total -inclusive pelas anarcofeministas- a retórica do feminismo radical, frequentemente adquire um estilo similar aos de lutas de liberação nacional. Mais apesar das diferenças no método e na teoria, a prática feminista liberal (burguesa, principal) e o feminismo radical frequentemente são coincidentes. Isto não é uma casualidade.


A especialização do feminismo radical consiste em centrar-se por completo nos sofrimentos da mulher nas mãos de homens. Se a catalogalização fosse alguma vez completada, a especialização não seria durante mais tempo necessária e havia chegado o momento de traduzir-se mais além da lista de ofensas sofridas, até uma vontade real e atual analisar a natureza da opressão da mulher nesta sociedade e levar a cabo ações reais e muito meditadas para acabar com esta opressão. Assim que a manutenção desta especialização requer que as feministas ampliem este catálogo infinito, inclusive até o ponto de dar explicações pelas ações opressivas levadas a cabo por mulheres em postos de poder, como expressões do poder patriarcal, e assim desta maneira liberaria estas mulheres da responsabilidade de suas ações. Qualquer analise séria das completas relações de dominação, como as que existem atualmente, é deixada de lado a favor de uma ideologia na qual o homem domina e a mulher é a vitima da dominação.


Mas a criação de uma identidade com base na própria opressão, sobre a vitimização sofrida, não proporciona a força ou a independência. No lugar disto, cria uma necessidade de proteção e segurança que eclipsa o desejo de liberdade e independência. No reino do teórico e psicológico, uma abstrata e universa "irmandade feminina" pode encontrar essa necessidade, mas a fim de fornecer uma base para esta irmandade, da "mística feminilidade", a qual foi exposta nos anos 60 como uma construção cultural que apoiava a dominação masculina, é revivida em forma de espiritualidade de mulher, culto a deusa e uma variedade de outras ideologias feministas. A vontade de liberar a mulher como categoria social, alcança sua apoteose na recriação dos papeis do gênero feminino em nome de uma alusiva solidariedade de gênero. O feito de que muitas feministas radicais haviam recorrido a policiais, tribunais e outros programas estatais de proteção de mulheres (imitando assim o feminismo burguês.) só serve para sublinhar a falsa natureza da "irmandade" que proclamam. Apesar de ter havido tentativas de mover-se além destes limites dentro do contexto do feminismo, esta especialização foi sua melhor definição durante três décadas. Na forma em que foi praticado falhou ao apresentar um desafio revolucionário tanto contra o gênero como contra a dominação. O projeto anarquista de liberação global nos chama para nos movermos além destes limites até o ponto de atacar o gênero em si mesmo, com o objetivo de converter-nos em seres completos, definíveis não como um conglomerado de identidades sociais, senão como únicos e completos indivíduos.


É um estereótipo e um erro afirmar que os homens e mulheres têm sofrido iguais opressões dentro de seus papéis de gênero. Os papéis do gênero masculino permitem ao homem uma grande liberdade de ação para afirmação de sua própria vontade. Por isso a liberação da mulher de seus papéis de gênero não consiste em ser mais masculina senão em ir bem mais além de sua feminilidade, assim para os homens a questão não é ser mais feminino senão ir bem mais além de sua masculinidade. A questão é descobrir que o centro da unicidade que está em cada um de nós, vai mais além de todos os papéis de gênero e da forma em que cada um atua, vive e pensa no mundo, tanto no domínio sexual como em todos os outros.


Separar o gênero em função da sexualidade, desde a totalidade de nosso ser, fixando características especificas segundo o gênero ao que se pertence, serve para perpetuar a atual ordem social. Como conseqüência disso, a energia sexual, que poderia ser um extraordinário potencial revolucionário, é canalizada para reprodução das relações de dominação e submissão, de dependência e desespero. A miséria sexual que isto tem produzido e sua exploração comercial está por todos os lados. A chamada inadequada dos povos a "abraçar tanto a masculinidade como a feminilidade" cai em falta de análise sobre estes conceitos, já que ambos são invenções sociais que servem aos propósitos do poder.


Assim, mudar a natureza dos papeis do gênero, aumentar seu número ou modificar sua forma é inútil sob uma perspectiva revolucionaria, já que isto só serve para ajustar mecanicamente a forma de condutas que canalizam nossa energia sexual. No lugar disto, necessitamos nos reapropriar de nossa energia sexual para reintegrá-la na totalidade de nossos seres a fim de fazer-nos extensos e poderosos como para explorar cada conduto e inundar o terreno da existência com nosso ser indomado. Isto não é uma tarefa terapêutica, senão uma revolta insolente - uma que emane desde nossas forças e nossa recusa a retroceder. Se nosso desejo é destruir toda dominação, então é necessário que nos movamos além de tudo o que nos reprime, além do feminismo e além do gênero, porque aqui é onde encontramos a capacidade de criar nossa indomável individualidade que nos conduzirá contra toda dominação sem vacilação. Se desejarmos destruir a lógica da submissão, este deve ser nosso mínimo objetivo.


Willful Disobedience Vol. 2, No. 8.

11 julho 2007

Sobre a pobreza sexual

Uma sociedade baseada na concentração de poder e no intercâmbio econômico empobrece cada área da vida, inclusive as mais pessoais. Existe mais ou menos acordo quando se fala da liberação da mulher, da liberação dos homossexuais e inclusive a liberação sexual dentro do âmbito anarquista. Além disso, é fácil encontrar análises sobre a dominação masculina, sobre o patriarcado e o heterossexismo, mas a realidade do empobrecimento sexual parece que foi amplamente ignorada, a respeito da expressão sexual, limitaram às percepções como monogamia, poligamia, poliamor e outros mecanismos similares das relações amorosas. Segundo creio, esta limitação é em si mesma um reflexo de nosso empobrecimento sexual; limita-nos a falar dos mecanismos das relações de maneira que possamos evitar os questionamentos sobre a qualidade dessas mesmas relações.

Existem vários fatores que influem no empobrecimento sexual que experimentamos nesta sociedade. Se examinarmos suas origens, as instituições do matrimônio, a família e a imposição de algumas estruturas sociais patriarcais são importantes, e o papel que jogou não pode ser ignorado. Mas durante as últimas décadas, pelo menos aqui no chamado Ocidente, a força destas instituições diminuiu consideravelmente. No entanto o empobrecimento sexual não o fez. Talvez tudo ao contrário. Voltou-se mais intenso e o sentimos de uma forma mais desesperada.


O mesmo processo que permitiu a debilidade e a desintegração gradual da família é que agora sustenta o empobrecimento sexual: o processo de coisificação. A coisificação da sexualidade é evidentemente tão antiga como a prostituição (e quase tão velha como a civilização), mas nas últimas cinco décadas, a publicidade e os meios de comunicação coisificaram a concepção de sexualidade. A publicidade nos oferece um atrativo sexual que influencia nas massas, vinculando a paixão espontânea com desodorantes, sabonetes, perfumes e carros. Através dos filmes e da TV nos mostram imagens sobre a facilidade com a qual alguém pode conseguir gente bonita em sua cama. Evidentemente, é necessário que seja belíssimo e atrativo, e para consegui-lo nos servem desodorantes, perfumes, academia, dietas e produtos para o cabelo. Estamos adestrados para desejar imagens de "beleza" de plástico que são inalcançáveis porque em grande parte são fictícias. Está criação de desejos artificiais e inalcançáveis serve perfeitamente às necessidades do Capital, já que garantem uma continua sensação de insatisfação que pode ser utilizada para manter as pessoas comprando, numa tentativa desesperada de aliviar seus anseios.


A coisificação da sexualidade conduziu um tipo de "liberação" dentro do esquema das relações de mercado. Não somente porque é muito freqüente ver relações sexuais entre pessoas solteiras no cinema, mais porque cada vez mais as relações de homossexualidade, bissexualidade e inclusive algumas outras raras estão ganhando certo nível de aceitação entre a população. Evidentemente, de maneira que sejam úteis as necessidades de mercado. De fato, estas práticas são transformadas em identidades nas quais alguns se ajustam de forma mais ou menos estrita. Desta maneira, se converte em muito mais que uma simples prática de um determinado ato sexual. Assim "estilos de vida" completos estão associados a eles, implicando conformismo, lugares específicos para ir, produtos específicos para se comprar. Neste sentido, os gays, as lesbianas, os bissexuais, o couro e as subculturas desenvolvem suas funções como objetivos de mercado à margem da família tradicional e do contexto geral.


De fato, a coisificação da sexualidade permite que todas as formas de práticas sexuais sejam produtos de venda. No mercado sexual, todo o mundo vende a si mesmo ao mais alto posto enquanto tenta comprar aqueles que lhe atraem ao menor preço. Assim, se cria o absurdo jogo de jogar duro para conseguir ou tentar pressionar a outros para manter relações sexuais. E assim se dá a possessividade, que tão frequentemente é desenvolvida nas atuais relações de "amor". Depois de tudo, no regime do mercado, não é possuidor aquele que comprou?


Neste contexto, o ato sexual tende a tomar-se na mesma medida; uma forma quantificável em consonância com esta coisificação. Dentro de uma sociedade capitalista não deveria surpreender que a "liberação" da franqueza sexual signifique predominantemente uma discursão sobre o mecanismo do sexo. O jogo do ato sexual se reduz não somente ao prazer físico, mas mais especificamente ao orgasmo, e o discurso sexual se centra sobre os mecanismos mais efetivos para ganhar este orgasmo. Não quero ser mal interpretado. Um orgasmo eufórico é algo maravilhoso. Mas centrar o encontro sexual em conseguir um orgasmo, não nos permite sentir o jogo de nos perder no outro, aqui e agora. Mas que ser uma imersão de um no outro, o sexo centrado em alcançar o orgasmo se converte em uma tarefa que aspira a um objetivo futuro, a manipulação de certos organismos para ganhar um fim. Tal e como eu o vejo, isto transforma o sexo em uma atividade basicamente masturbatória - duas pessoas usando uma a outra para conseguir seu fim desejado, trocando (desde de o ponto de vista estritamente econômico) prazer sem dar nada de si mesmo. Nestas ações deliberadas, não existe lugar para a espontaneidade, a paixão sem medida, a entrega nas mãos de outro.


Este é o contexto social da sexualidade em nossas vidas atuais. Dentro deste contexto existem muitos outros fatores que reforçam o empobrecimento da sexualidade. O capitalismo necessita de movimentos de liberação parcial de todos os tipos, tanto pra a recuperação da revolta como para introduzir a embrutecida lei do mercado em cada vez mais aspectos de nossa vida. Por isso o capitalismo necessita do feminismo, dos movimentos de liberação racial e nacional, da liberação dos gays e também evidentemente da liberação sexual.


Mas o capitalismo não faz uso de forma imediata de todos os velhos métodos de dominação e exploração, e não faz porque são sistemas lentos e complicados. As lutas de liberação parcial mantêm sua função recuperadora precisamente para continuar exercendo a velha opressão como contrapartida para prevenir, que aqueles envolvidos em lutas de liberação, possam perceber a escassez de sua "liberação" dentro da ordem social atual. De tal maneira se o puritanismo e a opressão sexual tivessem sido realmente erradicados dentro do capitalismo, a escassez dos sexshops mais feministas, conscientes e amigos dos gays seria óbvia.


E assim o puritanismo continua existindo e não só como um vestígio de tempos anteriores, caídos da moda. Isto se manifesta claramente em métodos óbvios, tais como a opressão ainda vigente do matrimônio, (ou pelo menos criar uma identidade como casal) e ter uma família. Mas também se faz manifesto de forma que a maioria das pessoas não percebe, porque nunca consideraram outras possibilidades. A adolescência é a época em que os impulsos sexuais são mais fortes devido às mudanças que se produzem no corpo. Em uma sociedade sã, os adolescentes deveriam ter a oportunidade de explorar seus desejos sem medo ou censura, deveriam fazê-lo de uma forma aberta e aconselhada, se quiserem, pelos adultos.


Enquanto que os desejos intensos dos adolescentes são claramente reconhecidos (quantas vezes filmes de humor ou programas de TV se baseiam na intensidade destes desejos e na impossibilidade de explorar-los de uma forma livre e aberta) nesta sociedade, não se criam métodos para que esses desejos possam explorar-se livremente, esta sociedade os censura, fazendo uma chamada à abstinência, deixando os adolescentes ignorando seus desejos, limitando-os a masturbação ou aceitando frequentemente ter sexo rápido em situações de muita pressão e ambientes nada confortáveis para evitar assim que lhes peguem. É difícil não estranhar que algum tipo de sexualidade sã houve se desenvolvido sob estas condições.


Porque o único tipo de "liberação" sexual de utilidade para o Capital é aquela que permite preservar a pobreza sexual, e utilizará todo tipo de ferramentas para a manutenção da repressão sexual sob o engano de uma liberação fictícia. Desde que as velhas justificações religiosas para a repressão sexual deixaram de ser válidas para amplas porções da população, um medo físico pelo sexo atua agora como catalisador na criação de um novo meio para a repressão. Este medo é promovido principalmente por duas frentes. Em primeiro lugar é o meio do depredador sexual. Ataque sexual a jovens, olhar violador e a violação são fatos muito reais. Mas os meios de comunicação exageram a realidade com explicações sensacionalistas e especulações. O manejo destes assuntos por parte das autoridades e os meios de comunicação não têm como objetivo encarregar-se destes problemas, mas seguir promovendo o medo. Na realidade, os casos de violência sexual contra mulheres e crianças (e me refiro especificamente àqueles atos de violência baseados no fato de que as vítimas sejam crianças ou mulheres) são a maioria das vezes, mais freqüentes que os atos de violência sexual. Mas o sexo tem um forte valor social que concede aos atos de violência sexual uma imagem muito sinistra*. E o medo promovido pelos meios de comunicação em relação aos ditos atos reforça uma atitude social generalizada, de que o sexo é perigoso e deve ser reprimido ou pelo menos publicamente controlado.


Em segundo lugar, esta o medo às doenças sexualmente transmissíveis e em particular a AIDS. De fato, a princípios dos anos 80 o medo das doenças sexualmente transmissíveis deixou de ser em grande medida um método útil para manter as pessoas afastadas do sexo. A maioria destas doenças podia ser tratada com relativa facilidade, e as pessoas mais inteligentes se deram conta da inutilidade de utilizar preservativos na prevenção da propagação de doenças como gonorréia, sífilis e muitas outras doenças. Nesse momento se descobriu a AIDS. Havia muito que dizer sobre a AIDS, muitas perguntas teriam que ser respondidas, uma grande quantidade de negócios suspeitos (no sentido literal do termo) referentes a este fenômeno, mas a respeito do tema que estamos tratando, de novo o medo ao contágio de doenças sexualmente transmissíveis se dedica para promover a abstinência sexual, ou pelo menos que a sexualidade seja menos espontânea, menos desordenada, e gera assim encontros sexuais mais estéreis.


Em meio a tal ambiente de deformação sexual, outros fatos desenvolvem o que parece ser inevitável. Uma tendência a agarrar-nos desesperadamente àqueles com quem temos conectado, ainda que seja uma conexão empobrecida. O medo de estar sozinha, sem amor, nos conduz a nos unir com amantes quando há muito já deixamos de amá-los. Inclusive quando o sexo continua existindo na relação, provavelmente seja mecânico e ritual, e não um momento absoluto de entrega ao outro.


E claro, são aqueles que simplesmente sentem que não podem controlar completamente esta tristeza, este meio desamparado de relações artificiais e conduzido pelo medo, e por isso nunca o tentarão. Não é uma falta de desejo que impõe sua "abstinência", senão o desânimo para se vender assim mesma e uma desesperança ante a possibilidade de encontros sexuais reais. Frequentemente estes indivíduos que, no passado, se situaram na linha de busca de encontros eróticos apaixonados, intensos e foram recusados como artigos de inferior quantia. Foram apostados, os outros compraram e venderam. E perderam a esperança de manter a aposta.


Em qualquer caso, vivemos em uma sociedade que empobrece todo tipo de contato, os sexuais também. A liberação sexual - no sentido real, que é nossa liberação para explorar a plenitude, do abandono erótico carnal no outro - nunca o poderá realizar-se por completo dentro desta sociedade, porque esta sociedade necessita do empobrecimento, dos encontros sexuais coisificados, tanto como necessita que todas as interações sejam coisificadas, medidas, calculadas. Assim que os encontros sexuais livres, como cada encontro livre, só pode existir contra esta sociedade. Mas isto não é um motivo de desesperação (a desesperação depois de tudo, não é mais que o outro lado da esperança), mas sim deve conduzir-nos a uma exploração subversiva. O reino do amor é muito amplo, e existem infinitos caminhos a explorar. A tendência entre os anarquistas (pelo menos nos EUA) de reduzir as questões de liberação sexual ao mecanismo de ditas relações (monogamia, não-monogamia, poliamor, "promiscuidade", etc) deve ir mais além. Na expressão sexual livre têm cabimento tudo isto e muito mais. De fato, a riqueza sexual não tem nada haver com ambos os mecanismos (tanto as relações como os orgasmos) ou com a quantidade (o capitalismo tem provado há muito tempo que seus choros cada vez mais efetivos ainda cheiram a lixo). E sim consiste no reconhecimento de que a satisfação sexual não é exclusivamente uma questão de prazer como tal, senão concretamente de prazer que brota do encontro real e o reconhecimento, a união dos desejos e dos corpos, e a harmonia, o prazer e o êxtase que se obtém dele.


Assim, fica claro que necessitamos perseguir uns encontros sexuais como os que procuramos pra o resto de nossas relações, em total oposição a esta sociedade, não pode ser um dever revolucionário, senão porque é a única maneira possível de ter relações sexuais plenas, ricas e desinibidas na qual o amor deixe de ser uma desesperada dependência mútua e em seu lugar se transforma na exploração extensiva do desconhecido.


*O importantíssimo assunto da filosofia da inocência da infância - uma filosofia que só serve para manter as crianças no lugar que lhe corresponde nesta sociedade - também esta relacionada com isto. Mas requer um artigo em si mesmo, simplesmente para começar a abordar o tema.


Willful Disobedience

Volume 4, number 3-4, Fall-Winter 2000