28 agosto 2006

Quem tem medo do vegetarianismo?

Assim como tudo que existe na sociedade atual, o veganismo/vegetarianismo está sendo recuperado pela perspectiva capitalista de transformar tudo em mercadoria.

Enquanto muitos se alegram com o crescente aparecimento de alimentos e alternativas de consumo “vegans” e “ecologicamente corretas”, acreditamos que seja mais que imprescindível resgatar o caráter revolucionário deste conceito que, para nós, se mostrou como uma forte crítica ao modo de produção mercantilista e à vida cotidiana, trazendo, por que não dizer, o caráter holístico da liberação animal. O que já foi uma ponte para levarmos a uma radicalização da proposta anti-capitalista torna-se cada vez mais um caminho para a recuperação do projeto de reificação de todos os aspectos da vida, aqui em especial a rejeição em causar sofrimentos aos animais. Ao contrário da outrora postura negativa em relação à opressão (animal e humana), passamos a uma afirmação positiva da aquisição de produtos “livres de crueldades”, levando assim mais uma vez à fetichização dos aspectos que se propunham, de maneira radical, a uma transformação real das condições a qual nos relacionamos com os animais não-humanos.


Sabemos que, antes de tudo, o veganismo/vegetarianismo propõe um novo modo de relações entre os seres e entre estes e a natureza. Portanto, torna-se para nós contraditória a manutenção desse sistema baseado na dominação, exploração e apropriação das vidas. O fetiche mecanicista e metafísico que leva a acreditar que o consumo verde é uma alternativa política e ética detém o verdadeiro poderio ideológico do explorador, e cair nessa lógica é um mal que acometeu os indivíduos que se apegaram ao consumo.


Sobre a questão do vegetarianismo, cremos que seja necessário fazermos mais algumas observações devido ao crescimento do mesmo em nossa localidade, também conhecida como cidade de Salvador.


É de conhecimento amplo que existem vários motivos que levam alguém a torna-se vegetariano, então, de antemão, avisamos que as palavras abaixo e acima escritas são endereçadas, mas não somente, às pessoas que o são por questões políticas e/ou éticas, usando aqui uma separação inexistente entre ética e política.


Tivemos há pouco tempo contato com vários grupos que desenvolvem, aqui em Salvador, atividades relacionadas ao “Direito dos Animais”. Apesar de nem todos serem necessariamente adeptos ou defensores do vegetarianismo, são portadores de uma simpatia pelo assunto, fazendo com que nos aproximássemos e que ocorressem algumas atividades com nossa participação. A necessidade de estar desenvolvendo uma luta mais ativa, de maneira organizada, pela liberação animal é o motivo desta carta aberta que estamos lhes enviando.


Nós, da CÉLULA ZERO, já decidimos estreitar o contato com estes e outros grupos, além de estarmos desenvolvendo outras atividades, mas acreditamos que seja de extrema importância uma maior articulação, já aqui propondo a criação de uma rede de grupos e indivíduos, para que em casos como o recente rodeio que aconteceu na Exporural estejamos preparados para uma ação efetiva. Com isso convocamos para uma conversa todas as pessoas que, vegans ou vegetarianas, queiram não apenas manter uma alimentação “livre de crueldades”, mas entendem o quanto se faz urgente ações que coloquem em discussão, assim como revertam a lógica deles, do domínio do homem sobre os animais não-humanos. Aos que acreditam ser inexistente essa crescente, e para nós incontestável, necessidade de ação sintam-se a vontade para continuarem com seu crescente consumo de alimentos “livres de crueldades” vendidos pelas empresas do capitalismo verde, sem aspas.


Reunião dia 05 de Setembro de 2006 (Terça-feira), às 19 horas na Biblioteca Central dos Barris.


“Não é possível manter-se neutro em um trem em movimento”

CELULA ZERO – Derrubando a Babilônia, pela libertação da terra.

15 agosto 2006

Juntar os fragmentos!

Não é incomum surgir questionamentos acerca da revolução no cotidiano, da quebra dos padrões e da fuga de um sistema mercantil ao qual estamos inseridos. No decorrer da história revoltas proletárias que pareciam fadadas ao sucesso fracassaram por não conseguir, ou não ter, posto em prática a superação não só dos meios de opressão mais também das ferramentas que a tornavam ativas, bem como uma supressão definitiva de um sistema espetacular e sua invariável impossibilidade de qualquer retorno. A crítica do mundo moderno deve ter como objetivo a totalidade.


"A revolução da vida cotidiana se encontra frente a frente com as imensas tarefas que ela deve cumprir. A revolução, tal como a vida que ela anuncia, deve ser reinventada. Se o projeto revolucionário permanece fundamentalmente o mesmo - a abolição da sociedade de classes - é porque, em nenhum lugar, as condições na qual ele é formado foram radicalmente transformadas. Trata-se de retomá-lo com um radicalismo e uma coerência fortalecidos por uma experiência da falência de seus antigos portadores, a fim de evitar que sua realização fragmentária acarrete uma nova divisão da sociedade.
A luta entre o poder e o novo proletariado só podendo acontecer na totalidade, o futuro movimento revolucionário deve abolir, em seu seio, tudo aquilo que tende a reproduzir os produtos alienados do sistema mercantil. Ele deve ser, simultaneamente, a crítica viva e a negação desse sistema, e é essa negação que traz em si todos os elementos possíveis da ultrapassagem. (...) Uma organização dessas deve priorizar a crítica radical de tudo aquilo que fundamenta a sociedade que ela combate, a saber: a produção mercantil, a ideologia sobre todas as suas máscaras, o Estado e as separações que ele impõe." *


Tendo como idéia de que devemos antes de qualquer confronto preparar o terreno, torna-se válida a formação de coletivos ativos que transformem em prática toda a crítica discutida e fundamentada. É difícil sobreviver sobre o dogma fragmentário da separação das sensações e dos desejos. Aproveitar as situações e fazer com que elas aconteçam é fundamental.


Um bom método consiste em usar a arma do inimigo contra o próprio inimigo, tomar e transformar as armas dele para combatê-lo. O que torna a subversão possível é o fato das coisas se desvalorizarem, perderem todo o seu sentido original e poderem tomar um sentido novo, diferente e vivo.


Contra a mass media podemos invadir as ruas durante a madrugada e modificar o sentido das frases nos outdoors (ou simplesmente destruí-los), encher os postes e muros de sticks subversivos, pichações e grafites criativos que despertem o potencial questionador da sociedade. Difundir o ideal libertário e invadir as mentes dos transeuntes desses labirintos de pedra.


Podemos ao máximo tentar se distanciar do mercado de consumo se negando a comprar coisas descartáveis e supérfluas, evitando ao máximo a ação mantenedora do maquinário capitalista: o consumo. Esse mal que assola nossos dias está por findar. Então nos levantaremos em um movimento que nega todas as suas supostas formas de felicidade. Não precisamos dessas máquinas! Não precisamos desses valores! Não precisamos de uma civilização megalomaníaca! Queremos nossa autonomia de volta!


Faça do garimpo urbano uma mania saudável. Descubra quantas coisas legais, e de graça, é possível encontrar - de divertimentos a coisas materiais. Devemos reutilizar o que for possível, porque comprar algo novo se o "velho" da conta da tarefa?


Matar a moral burguesa e tudo que ela impõe, bem como as suas ideologias discriminatórias e preconceituosas que já prejudicaram milhões de pessoas ao longo da história. Se o casamento mantém o conceito de núcleo familiar e administra a força patriarcal na sociedade, não nos casaremos. Se o amor é tomado no mundo moderno como algo irreal e manipulado, transformaremos em algo livre e sincero, sem dogmas que nos impeçam de sentir o seu real sentido subversivo. Se o pudor for a regra dessa sociedade casta dominada pela conduta eclesiástica de pureza, morreremos gozando.


Viver a poesia que apenas contemplávamos. A crítica radical e a criatividade edificante servem de conduta contra o fantasma alienador da sociedade. Que a arte seja de fato as nossas próprias vidas e que a poesia seja feita para todos viverem. Viver sem tempo morto e deixar a vida fruir devem ser as regras do jogo.

>>>Célula Zero<<<_>


*Escrito em Novembro de 1966 por Mustapha Khayati sobre o título de A miséria do meio estudantil - considerada em seus aspectos econômico, político, psicológico, sexual e, mais particularmente, intelectual, e sobre alguns meios para remediá-la.