04 abril 2007

Instruções para uma insurreição

Se parecer um tanto absurdo os discursos sobre revolução, isto é obviamente porque o movimento revolucionário organizado há muito tempo tem desaparecido dos países modernos onde as possibilidades de uma transformação social decisiva têm se concentrado. Mas todas as alternativas são ainda mais absurdas, desde que impliquem na aceitação da ordem existente como a única possível. Se a palavra “revolucionário” foi neutralizada ao ponto de ser usada em anúncios para descrever a rápida mudança em uma produção sempre em mudança, isto é porque as possibilidades de uma mudança central desejável já não são expressadas em todos os lugares. Hoje os projetos revolucionários foram acusados diante do tribunal da história - acusados de terem falhado, de terem simplesmente arquitetado uma nova forma da alienação. Isto nos leva a reconhecer que a sociedade estatal provou ser capaz de se defender, em todos os níveis da realidade, muito melhor do que os revolucionários esperavam. Não que isso tenha se tornado mais tolerável. O ponto é simplesmente que a revolução tem que ser reinventada.


Isto expõe um número de problemas que terão que ser teorizados e praticamente superados em poucos anos. Nós podemos momentaneamente mencionar alguns pontos que são urgentes entender e resolver.


Das tendências reagrupadas que apareceram nos últimos anos entre várias minorias do movimento de trabalhadores na Europa, somente a corrente mais radical vale a pena preservar: que são centrados no programa do conselho dos trabalhadores. Não nos deve ser estranho o fato de que um número de elementos confucionistas estão procurando se insinuar neste debate (veja o acordo recente entre jornais fiilósofo-sociológicos de esquerda de diferentes países).


A grande dificuldade confrontada por grupos que procuram criar um novo tipo de organização social é estabelecer novas formas de relações humanas dentro dessa organização. As forças da sociedade exercem uma pressão unipresente contra tal esforço. Mas a menos que isto seja realizado, pelos métodos a serem experimentados ainda, nós nunca escaparemos da política especializada. A demanda pela participação de todos degenera frequentemente em um mero ideal abstrato, quando de fato é uma absoluta necessidade prática para uma organização realmente nova e para o projeto de uma sociedade igualmente nova. Mesmo se os militantes forem meros capachos que realizam as decisões tomadas pelos mestres da organização, eles ainda arriscam ser reduzidos ao papel dos espectadores daqueles que são mais qualificados na política especializada; e desta maneira a relação passiva do mundo velho é reproduzida.


A criatividade e a participação das pessoas podem somente ser despertadas por um projeto coletivo concernido explicitamente com todos os aspectos da experiência vivida. A única maneira de “desperta as massas” é expor o contraste entre as construções potenciais da vida e a pobreza atual da vida. Sem uma crítica da vida cotidiana, uma organização revolucionária é um milieu separado, tão convencional quanto a voz passiva, como aqueles acampamentos de férias que são o terreno especializado do lazer moderno. Sociólogos, como Henri Raymond em seu estudo de Palinuro, mostraram como em tais lugares o mecanismo espetacular recreia, no nível do jogo, as relações dominantes da sociedade como um todo. Mas então eles vão a naïvely elogiar a “multiplicidade de contatos humanos“, por exemplo, sem ver que o mero aumento quantitativo destes contatos os deixa apenas tão insípidos e inautênticos, como são em toda parte. Mesmo no mais revolucionário e anti-hierárquico grupo revolucionário, a comunicação entre as pessoas não está, de maneira alguma, garantida por um programa político compartilhado. Os sociólogos naturalmente dão suporte a esforços pra reformar a vida cotidiana, para organizar a compensação para isto no tempo das férias. Mas o projeto revolucionário não pode aceitar a noção tradicional do jogo, de um jogo limitado no espaço, no tempo e na profundidade qualitativa. O jogo revolucionário - a criação da vida - é oposto a todas as memórias de jogos passados. Fornecer uma ruptura rápida dessa forma de vida vem durando muitas semanas de trabalho - uma levante como a Revolução Francesa, que se apresenta no guise de Roma republicana, ou como os revolucionários de hoje que se definem principalmente como “bom Bolchevique" ou algum outro estilo do papel militante. A revolução da vida cotidiana não pode extrair sua poesia do passado, mas somente do futuro.


A experiência do lazer vazio produzido pelo capitalismo moderno forneceu uma correção crítica à noção Marxiana da extensão do tempo de lazer: está agora claro que a liberdade plena do tempo requer primeiramente de todos uma transformação do trabalho e a apropriação deste trabalho, visando os objetivos, e sob circunstâncias, isso é totalmente diferente do trabalho forçado que prevaleceu até agora. Mas aqueles que puseram todo o estresse sobre a necessidade da mudança do próprio trabalho, de racionalizar isso e de pessoas interessadas nisso, e não der atenção ao livre conteúdo da vida, corre o risco de fornecer uma cobertura ideológica para uma harmonização do sistema de produção atual, no sentido da eficiência e da maior profitabilidade, sem questionar a experiência desta produção ou a necessidade deste modo da vida. A construção livre do espaço-tempo da vida individual é uma demanda que tem que ser defendida contra todos os sonhos de harmonia na mente de chefes aspirando à reorganização social.


Os diferentes momentos da atividade situacionista até agora somente serão compreendidos na perspectiva de uma reformulação da revolução, uma revolução que será social, como também cultural, cujo campo de ação será correto desde o começo e que seja mais abragente do que alguns de seus esforços precedentes. A IS não quer recrutar discípulos, mas juntar pessoas capazes de aplicar-se a esta tarefa nos anos que virão, por todos os meios e sem se preocupar com regras de conduta. Isto significa que nós devemos rejeitar não somente os vestígios da atividade artística especializada, mas também aqueles da política especializada; e particularmente o pós-Cristão masoquista, característica de muitos intelectuais nesta área. Nós não reivindicamos desenvolver todo um novo programa revolucionário feito por nós mesmos. Nós dizemos que este programa, no processo de formação, um dia praticamente oporá a realidade, e nós participaremos dessa oposição. O que quer que aconteça conosco individualmente, o novo movimento revolucionário não será formado sem trazer consigo o que nós procuramos juntos; qual poderia ser resumido como a passagem da velha e limitada teoria revolucionária a uma teoria da revolução permanente e generalizada.


INTERNACIONAL SITUACIONISTA 1961


Escrito po Ken Knabb


(ligeiramente modificado da versão intitulada “Instructions for Taking Up Arms” da Situationist International Anthology)

2 comentários:

Anônimo disse...

caralho, o blog tá bala!!!!

tem um livro do ken knabb que é muito bom tb, "A Alegria da Revolução", na net tem ele.

Abraços, qq coisa tamos aí.

Walfrido Neto disse...

Oi Túlio,
Aqui é o Walfrido, do blog Primata.
Adorei o post sobre o MOVE, sou um
grande admirador do John Africa.
Mudei o endereço do meu blog, agora
é walfridoneto.blogspot.com
e agora vai ser constantemente atualizado. Aliás, já coloquei
um link para o seu lá.
Grande abraço e até mais.